15/07/2010

Revisão

Estou ocupada há dias, na revisão das páginas que escrevi faz hoje exatos doze meses. Sem a intenção ou o feitio de se constituírem diário, estas quase cem crônicas, que finalmente preparo para a edição em papel, reinventam cada um desses meses que viveram. O fato de tê-las compartilhado através deste alobairro transfigura-as, e é por isso que o texto que faz as vezes de introdução ao livro usa a palavra “alteridade”. Além de usá-la, torna-a palpável ao longo dos parágrafos, aproveitando a intensa troca de emails a seu respeito, palavras de alerta, de ânimo, de correção e de provocação.

Os outros são-me um tema caro, os outros dão-me a medida dos pés, os outros elaboram meus passos e meus horizontes. Mesmo quando os desconsidero, ou quando os considero maiores do que são, converto-os em algo além de si próprios, subvertendo-lhes o tamanho concreto. Não me importo de ver o que não existe – dentro do papel, se me apetece, existe.

Uma a uma, cada crônica evoca um momento, uma pessoa, uma situação – e aquilo que senti ao escrever retorna; o que já estava engavetado, apagado, remediado, aceite, revive, com a mesma carga de dor e amor do seu próprio dia. Pergunto-me (quem ao escrever não o fará?): o que isso que escrevo fará brotar em quem se aventurar leitor?

Página a página, preciso resistir à vontade de agarrar o telefone e recompor o presente, transvesti-lo com gestos do passado, como se o que foi feito pudesse ser apagado, como se não contasse, como se pudesse hoje alterar o que foi gravado a fogo meses atrás.

Não posso: a gráfica está à espera desta revisão. Pode ser que alguém espere meu telefonema do outro lado da linha, mas também pode ser que não, e hoje eu sei o quanto a minha alma não comporta mais nenhuma decepção. Hoje, não. Hoje meu coração feito de folhas não aceita desilusões. Prefere manter-se iludido, rodeado dos feixes de luzes que criou porque era livre para isso, num milagre que atravessa as primaveras e os outonos e vem estacionar-se ao meu lado, dando-me cobertura para o rigor dos dias que se aproximam.

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