09/02/2012

3 tempos


Anteontem

Lição de casa de filosofia: mãe, preciso saber o que você pensa: como você prova que existe? Descartes aflora rápido mas os lábios se controlam. Descartes não sabia de tudo, e filho quer saber o que eu penso. Portanto, ele sabe que penso, não adianta apelar para máximas abstratas. E não é só essa pergunta, mas uma série delas: como você prova que o que você vive agora não é só uma lembrança? Como você prova que isso que você vive é real?

Olho para dentro de mim mesma, e não consigo provar-me que existo. Procuro-me por todos os lados, perdida que fiquei dentro de um outro, e aí respondo-lhe: é o outro que prova a minha existência, que sou eu sem o olhar do outro? Quase lhe falo de alteridade, mas não vem ao caso mais um conceito jogado no espaço.

Ontem

Os sons do mundo ficaram mais fracos – apesar dos dois ouvidos congestionados pelo excesso de água dos últimos dias, piscina, chuveiro, piscina, tentando driblar o calor que assola por poros e veias, descubro que são todos os sons do mundo que ficaram mais fracos, e não apenas aqueles que dependem dos ouvidos para se fazerem ouvir. Os sons do mundo ficam mais fracos e eu mais fraca diante deles.

Hoje

Conceitos desfeitos como pó. Um estado de desconceituação. A mente não gosta, sai em passeio de buscar respostas. Porque eu não as tenho, e aviso-a: deixei-as dentro do outro. Desfiz-me de mim mesma, e meus olhos não dizem tristeza, só dizem que não estou. Não estou nada.

Porque durmo e acordo com a certeza de estar, mas um vento áspero vem e me derruba a alma, um hálito acre atravessa-me a pele e me desconcerta, me desalinha. E me diz que é perfeito. Mesmo sem ser. Porque a perfeição só existe a caminho. E as palavras tornam-se estátuas de pedra entre os meus dentes, salitre queimando o céu escuro da minha boca, vazio das estrelas-palavras que o povoam. As palavras secaram-se. Calaram-se. E eu com elas. Eu com elas num limbo, o silêncio pesado, angústia por trás das hélices de um ventilador ligado.O lugar de onde nascem fechou-se, inerte, à espera não sei de que: morte, torpor, agonia? Há um voo de pássaros sem sentido defronte da minha janela, um sem razão repentino, tempo e espaço escoados de repente para fora da minha pele. Desrevisto-me com uma sensação de peso que não conforta. Estou sozinha dentro de mim.

2 comentários:

  1. Caramba...vou levar pro sono, se consegui dormir
    bjs

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  2. à espera da chuva, do vento que brisa o ser Ana
    saudade de ver vc passar em frente da minha porta
    voando as tranças da alma amada
    Bell

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