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26/01/2014

Do México à Cantareira

Hoje, acordo na Mooca: como deixar passar em brancas nuvens os 460 anos da cidade de São Paulo? Primeiro, de véspera e em boa e especialíssima companhia, jantou-se um caprichado nachos y queso y chili. Preparação para a festa. Hoje, almoça-se um temperado falafel no Mercado da Cantareira. Tudo junto e misturado a esse calor insano a sol pleno. Fosse o Rei, diria quantas inumeráveis emoções.

De tudo um pouco, e quase sem se perceber. Tem pernambucano guardador de carros observando de dentro da sua camisa o povo que vai, o povo que vem. Abre-me uma vaga que vai logo logo estar na sombra. "Bem vestido porque é dia de aniversário", diz ele em seu sorriso de poucos dentes, quando lhe pergunto se não está assando de tanto calor dentro da camisa escura de manga comprida, abotoada até o pescoço. Os olhos miúdos quase se escondem por trás da pele curtida e grossa de anos de labuta sem fim nessa selva tão de pedra quanto o sertão. Tem dois argentinos parados na frente do Mercado, querendo saber de museus, e tem a Cida, maquiadora de Jundiaí, que decidiu mostrar-lhes São Paulo. Vem me perguntar se sei onde que tem museu: diz ela que tenho cara de quem gosta de arte, e ela quer agradar os novos amigos que fez no metrô com isso mesmo, arte. Gosto, digo-lhe, até quando não devo. E ela ri. Bonita vitrine do seu trabalho, elogio-lhe a maquiagem caprichada. A artista, afinal, é ela. E ela ri, agora sem jeito, piscando os olhos de cílios compridos.

Passeio pelo povo que dança ouvindo os Demônios da Garoa. A mais paulistana música no mais paulistano dos mercados. Vem a homenagem ao Wando, que gravou com eles. E o povo aplaude. Vem a homenagem ao Herbert Vianna, que gravou com eles. E o povo aplaude. E qualquer coisa que tocassem o povo aplaudiria, e riria, e dançaria pra cá e pra lá numa felicidade só, porque logo, não demora, virá o Trem das Onze tocando todo mundo embora. Tem a Sandra, ao meu lado, que não sossega, e só diz querer mesmo é um bebedouro, pra poder refrescar esse suor todo de tanto sambar. E ri. Aponta para o casal à nossa frente que dança desconjuntado: "aposta quanto que são gringos?". E ri. E ri de novo. Mesmo sorriso largo da senhora mulata mais adiante, sambando agarradinho a um sujeito tatuado que olha pra ela apaixonado, como se nada houvesse em volta dos dois. E quando seus olhos cruzam os meus, ela descobre-me uma fiada de dentes grandes desencontrados, cada um mais radiante que o outro nessa boca que logo corre pra beijar o parceiro. Todo mundo ri, e eu rio de volta, nessa cidade de concreto cheia de recantos de humanidade: parecemos todos velhos amigos que na saída marcarão encontro amanhã, mesmo horário, mesmo lugar, despedidas efusivas de quem conseguiu criar, contra qualquer expectativa, um minuto eterno de alegria feliz.

Percorro com o pensamento vestido de memória o dia preenchido nessa cidade estranha, onde me sinto tão em casa. Vejo as todas cores e as todas coisas, as ruas e as avenidas cortadas de um lado ao outro, um zootrópio inesperado ensinando cinema de animação, piscinas de sesc lotadas com corpos cada vez mais redondos, banheiros públicos encharcados de gente que quis ir pra rua nesse feriado tão mas tão paulistano: todas as lojas abertas, uma 25 de março que esqueceram de avisar pra fechar, sacolas de todos os dias mesmo em dia feriado. A cidade que não pára entra no seu 461º ano de vida fazendo juz à fama que tem. Só rindo, e voltando pra casa sem sentir os quilômetros espaçosos que passam por baixo do carro.

Foto: a Mooca, por Ilundi

12/04/2013

Ó Botucatu!

Essa ferramenta absorvente chamada facebook há semanas me pede que defina em que cidade moro. Já me mandou a pergunta de várias formas: parece haver inteligência por trás dessa tecnologia. Hoje, foi uma espécie de enquete: três possibilidades com a bolinha para clicar em cima da minha escolha. Uma delas é Botucatu.

A minha vida tornou-se uma forma itinerante. Há dias em que, se me perguntam onde vivo, direi que no carro. Na estrada. A caminho de. Indo. Voltando. É claro que minha sagitarianice diverte-se com tudo isso, mas outros aspectos do meu mapa franzem o sobrolho e disparam um tsc tsc tsc como se fossem personagens de gibi: "Até quando, filha, você vai aguentar essa toada?". Hoje, curiosamente, o sotaque parece ser de Botucatu.

Poderia ser a cidade escolhida. Ainda mais esta semana, que faz aniversário e completa 158 anos. Mesmo sendo ela a aniversariante, vou-me dar um presente: se o facebook me perguntar de novo  por estes dias onde afinal eu moro, responderei em alto e bom teclar: em Botucatu.

E só tem vantagens. Os bons ares, logo de cara. Mas mais ainda as nuvens, que não encontram congêneres em lugar algum do planeta. O céu noturno, pelo menos este aqui da casa onde vivo, sem luzes nem barulho nem quase pessoas em volta. Gosto da impressão de "vou crescer mas quero ficar pequena" que a cidade me transmite. Habituei-me com as suas ruas, nunca vivi tanto tempo em nenhuma outra cidade. Criei raízes, parece. Aéreas, pode até ser, mas ainda assim raízes. Ou âncoras. Ou essa sensação que às vezes me desconcerta de ser acolhida e consolidada naquilo que quero ser em mim mesma. Em Botucatu e em qualquer cidade. É bom, no mínimo, voltar para cá de tempos em tempos, reencontrar-me espelhada aqui e ali, neste e naquele olhar, como uma garantia de ter, sim, um lugar próprio.

Parabéns, Botucatu!