25/04/2011

O 25 de abril de Eric Blaich

Diz-me a minha tia Luisa que é sinal de velhice, isto de andar a contar histórias de quando se era pequeno, mas invariavelmente, assim que o calendário se aproxima do dia 25 de abril, acontece-me. Pior do que tudo, ganho neste dia uma capacidade de perceber ligações entre tudo e todos, e aquelas que não existiam, só porque hoje é 25 de abril, passam a existir. Entre tudo o que vivi, o que li, o que ouvi e o que senti, não tenho como separar fatos de desejos, estes de vontades, e ainda estas daquilo que podia ser mas talvez não tenha sido, sem que isso chegue realmente a importar alguma coisa. Portanto, assim que me deparo com este dia no rol dos de todos os anos, fico assim – nem um dia se passou, e todos os que vivem ao meu redor são catapultados para dentro de um enorme vaso de cravos.

Este ano em particular, decidi resgatar as fotografias das Caldas da Rainha, cidade que me acolheu no dia em que nasci. Nem preciso delas, mas é bom conferir. Fecho os olhos e vejo o prédio da biblioteca no Parque. O lago esverdeado e os cisnes nadando em suas águas tensamente paradas. Os meus dedos escorregando para dentro da água tépida e escura do começo do verão. Os imensos plátanos a abafar nas suas folhas o calor das horas quentes. O meu pai a jogar tênis. As minhas tias a prepararem uma festa na garagem da casa da minha avó, grandes flores de papel colorido e umas almofadas que ficaram no pensamento sem eu saber-lhe o porquê. Eu a tentar dar a volta por cima ao balanço enorme do pequeno parque que parecia tão grande, sem saber que existiria anos depois um Cirque Du Soleil que teria feito suspirar cada uma das minhas terminações nervosas. Algo disto as fotografias captaram, mas para o resto só tenho a minha memória de confiabilidade peculiar.

As Caldas são revolucionárias: a 16 de março do mesmo ano que marcaria a Revolução dos Cravos levantava-se o quartel da minha cidade. A Intentona das Caldas levou o Regimento de Infantaria que lá estava sediado em direção a Lisboa, disposto que estava a derrubar o Estado Novo já tão velho. Sem companhias, foi sustado às portas da capital portuguesa. Mas assim ficou: o primeiro movimento em direção à liberdade. Canhestro, talvez. Apressado e com uma noção péssima de timing – pode ser. Mas é dessa matéria que os sonhos são alimentados. Dos doidos que correm à frente para mostrarem aos outros que o caminho é possível.

Fui acordada na madrugada do dia 25 de abril de 1974, pouco depois das 4 da manhã, por uma mãe de olhos brilhantes e gravidez anunciada. “Somos livres”, dizia-me ela sabendo que eu a entendia. Não só o somos como o podemos dizer, e viver, e dar, e viver mais uma vez e assim seria até o mundo acabar. Podemos ir pelas estradas, já manhã clara, em direção ao mar e na companhia da Alice, que insistia em erguer um punho fora da janela e cantar e gritar às árvores que passavam que sim! somos livres! Indivizível, indiluível, intraduzível, inesquecível.

Com os nove anos de idade que tinha, descobri-me dois dias depois sentada no muro que rodeava a escola primária em que estudava, ocupada a ensinar aos meus colegas, cujas mães não faziam o que a minha fazia, a “Grândola Vila Morena” e o “No pasarán”, repreendida em pouco tempo pela minha professora, apavorada com o que o comunismo faria a todas aquelas apetecíveis criancinhas.

Ao longo dos meses que se seguiram, viagens ao Alentejo, a descoberta de um país na festa de encontrar-se com pernas, braços e sobretudo vozes, procurando aprender a andar e a saber como desfazer-se de anos de tristeza e devastação. Exatamente por isso, encantador, esse país. Um ano depois, na Espanha ainda franquista, meu pai seria (perigosamente) intimado a explicar o slogan que criara para oferecer o destino turístico ao país vizinho: “Portugal, tan nuevo y tan cerca”.

Devo a minha mãe, e a meu pai de outras formas, uma maneira de olhar as pessoas que se movimenta no espaço e no tempo, e lhes acolhe os erros, as fraquezas, os deslizes, as traições. Aceito-as com dificuldade, sim – mas os meus olhos olham a maneira como estão, certos de que aquilo que são muda - esconde-se, foge, amesquinha-se, endurece-se, cria limos e crostas e, de repente, descobre uma função auto-limpante e voilá: shinning as new! Inevitavelmente, olhando de longe, a vida é uma escada que sobe –tinha toda a razão a minha avó quando me dizia isso, mesmo nos momentos mais duros que lhe apresentei na ingenuidade tola da juventude. A vida é uma escada que sobe – e por isso, deduzi sozinha anos depois, mais vale aproveitar cada degrau, porque nada permite que desçamos.

Os que se vão, especialmente os que viveram muito, dizem-me a mesma coisa. Que a vida vale a pena, mas se, e apenas se, a nossa alma não ficar pequena. (Pessoa tinha razão, toda ela, só é preciso lê-lo nas duas direções e considerar também os momentos pequenos das almas, aqueles em que, por dedução, muito pouco vale a pena.)

Tudo vale a pena, se a nossa alma não se amesquinhar diante das possibilidades do mundo. Se a nossa alma permanecer inteira e íntegra e grande e sempre e a todo momento preenchida por ver o outro parte de si própria. Se a nossa alma puder ver em cada ser o pulsar da vida toda - até nas coisas mais duras, nas mais concretas e nas mais lentamente transformadas. Como as pedras que um senhor, nesta Demétria tão afastada daqueles tempos e daquele país, agrupou e espalhou ao seu redor antes de se despedir do mundo. Eric Blaich viaja nesta madrugada pelos espaços siderais, acompanhado por toda a silenciosa humanidade que conferiu ao âmago dos seres com os quais conviveu. Os seres-pedras e os seres-tintas voam a seu lado, sorriem à sua passagem, alcançam-lhe a visão do que semeou, plantou e colheu na sua longa vida. Assim como ecoa no espaço que me separa das Caldas uma revolução que me garante a certeza da liberdade do mundo, ecoam no espaço, brilhantes como límpidos cristais, as dádivas que Blaich espalhou pelos amplos caminhos da sua vida. Feliz viagem, Blaich.

Ana Vieira

(Em cima: Biblioteca do Parque D. Carlos I, nas Caldas da Rainha
Abaixo: "Rio Enz", de Eric Otto Blaich)

10/04/2011

Pannychia


Dentre os vários livros deixados por Calvino, Psychopannychia chamou a minha atenção há uns meses atrás. Essa porção de letras pareceu-me saborosa: os dois y destacando-se no todo, os dois n a meio, o crepitar dos ch alimentando o resto... Antes de pensar no que fosse, desenhei-lhe a forma manuscrita, pus-me a pensar em que pensaria ele ao decidir que esse desenho no papel seria o título de seu segundo livro. Mas logo a mente (que engana) mais a razão (que tudo quer explicar) me atrapalharam nesse devaneio. O “pânico da alma”, que talvez se insinue a uma primeira e desinformada vista, logo se desfaz ao localizar Calvino no tempo – avançam sobre nós as paisagens que seus sequazes trilharam divulgando a nova fé, enche-se de neblina o horizonte da paixão huguenote, perseguida, execrada e assassinada em noites das quais São Bartolomeu é apenas um exemplo. Almas em pânico, aquelas?!

Descubro entretanto um dicionário: inglês-latim online. Oferece tudo (ou quase), o bendito: a primeira derivação, a segunda, a grega, se a houver, e ainda a raiz primeva rastreada em direção ao indo-europeu. Não bastasse, localiza vocábulos derivados dessa raiz (e das outras, se eu quiser) em pelo menos 20 línguas com derivação semelhante; ao escolher uma delas, ganho de bandeja uma lista de tudo o que derivou da derivação inicial. É um assombro. Eu penso, clico e o mundo revela-se palavra.

Vejo que não, que psychopannychia nada tem de pânico, mas, ora vejam, de vigília – mais especificamente, “vigília da alma”. Gostei da ideia: nada de ter a alma em pânico, antes vigilante. Calvino ficou assim, cutucando-me com seu título, atiçando-me a curiosidade para saber o que achava ele mesmo dessa história. Muitos saberão bastante sobre protestantismo, mas eu católica apostólica romana a minha lusitana infância inteira (com direito a uma salve rainha incomodando meu ser infantil que não achava nada interessante aquela história dos filhos degredados de Eva suplicando neste vale de lágrimas...), não sei de nada mesmo. Apesar das aulas a preparar, dos livros que comprei a ler, do relatório a escrever, da última mania em forma de série seduzindo-me ali da caixa da 3ª temporada... vou ocupar-me com este assunto de última hora, que provavelmente há de ser importante daqui a algumas horas, ou dias, ou semanas, quando a minha alma se for deitar. Coisa que a mesma jamais fará, se for considerar o que diz Calvino, já que a alma não se deita, nem dorme, nem se apaga, nem se extingue. Nem hoje, nem no dia da morte de seu invólucro.

Calvino opôs-se aos aniquilacionistas: aqueles que creem, por bíblicos a + b, que as almas dos perdidos estariam não só perdidas, mas seriam extintas para todo o sempre. Não acreditam que um deus cristão misericordioso pudesse deixar almas ardendo no calor dos infernos, por isso antes a chamada “segunda morte” após a física, o aniquilamento sem volta. O inferno seria como a condição de pré-nascido, portanto inexistente, porque ainda não existiu, e por isso mesmo não existe (!). Lutero, antes dele (e, depois dele, dele discordando), garantiu o “estado inconsciente dos mortos”, todos eles aguardando no não-saber, no não-viver o dia do Julgamento Final – não em vigília, mas em sono total. Calvino não acreditava nisso – para ele, estaremos todos vigilantes esperando o fim dos tempos.

Canso-me rapidamente das leituras teológicas, tantas idas e vindas e voltas e tornas. Não tenho nada contra elas, é que o que eu quero é entender a palavra e não me sentir demasiado ignorante. Os primeiros parágrafos do livro de Calvino interessam-me – seria ele um Padre Vieira lá no seu tempo e espaço? Descubro que acredita-se que tenha proferido cerca de 4000 sermões (!), ainda que deles só se conservem 1500; aos 30 anos já tinha a cabeça grisalha, o corpo magro; comia pouco, dormia menos, mas nada disso lhe retirava o enorme esforço intelectual a que se dedicava (com o consequente gasto, imagino, de energia). Saúde? Frágil: artrite, cálculos renais, gota, hemorróidas, e profundas, frequentes e extensas enxaquecas, a que seu biógrafo atribui sua fama de irascível. Associava a prodigiosa memória que tinha a uma poderosa capacidade de observação. Morreu aos 55 anos, rodeado de seus discípulos. Interessante, este Jean Calvin.

O querido dicionário me encandeia (palavra bonita, em linha direta das candeias que alumiavam as noites esfomeadas do Alentejo): “pan-nychis”, do grego, significa “passar a noite sem dormir”. Logo imagino (achando que li isso em algum lugar, o que pode até ser verdade, mas mais provavelmente não o é) que talvez Pã sofresse de insônia, e que talvez por isso tivesse decidido inspirar medo e pânico aos outros, só para se divertir à custa alheia no meio dessas noites sem dormir. O certo é que nós todos, insônios de plantão, podemos, para não nos repetirmos, conversar logo mais sobre a nossa pannychia, e aposentar de vez a sempiterna insônia.

Enquanto isso, nossas almas vigilantes vagarão pelos tempos dos tempos, alertas quanto ao fim, às vezes em pânico ao descobrir o quão longe está o que até ontem parecia ao nosso lado. Talvez o pânico, se equilibrado e enquadrado, nos mantenha acesos, alertas, coesos conosco mesmo. Nada que nos paralise, mas que nos espete a agulha fina do incômodo e nos faça avançar e ficar mais perto do fim. A parte inevitável da vida.



Ainda Pannychia... coisas interessantes para ver, ou ideias que dão pano pra mangas...

Um ritual pannychidos – um réquiem para as almas mortas, Igreja Ortodoxa Grega

Mais coros bizantinos, para quem tiver gostado

E por fim o dicionário!

03/04/2011

É preciso ler os poetas debaixo d'água

Não é minha a frase do título, mas calhou-me ouvi-la ontem de manhã, e ficou assim, a bater-me no cérebro até agora, noite fechada e silêncio completo em tudo. Acordo com essas sete palavras à flor da pele, e de tão enrugada sei que estava de fato debaixo d’água, tentando decifrar tudo o que flutua embaçado à minha volta. Acordo num pulo, saio da água e o que escorre do meu corpo são palavras, as dos poetas que estavam no mar que me submergia. As palavras do dia de ontem sobressaem-se e escorrem com mais rapidez – o magma incandescente invadiu-me a noite, e são os relâmpagos que me acordam, o corpo de repente sem mãos sossegado pela batida das palavras. Procuro o lugar em que este pânico obtuso se implantou dentro de mim, mas o que resulta é uma desconstrução aflita do que ainda não foi. A culpa de tudo isto tem nome e sobrenome: Luis Serguilha.

Luis Serguilha não é um poeta comum, nem está perto de o ser. Com a bandeira da própria estética levantada, mantém-se fincado à proa, seja lá que ondas o atinjam pelos flancos. Fala de cavalos sonâmbulos como se os alimentasse diariamente, e os cavalgasse sem rédeas nem sela, sentado só na fissura de si mesmo. Não é fácil lê-lo, nem deveria sê-lo – não lhe é fácil o escrever-se.

Na rápida visita que fez a Botucatu, Luis desassossegou e acelerou – propôs leituras várias a partir dos textos nas mãos, invadiu sem decência e sem decoro os frutos alheios, deu-lhes cores, entranhas, posições no espaço diferentes das que se mostraram. Num jogo, sugeriu o texto por detrás do texto, dentro do texto, a comer-se pelo texto afora. Mastigou as próprias sílabas até chocar os ouvidos cansados e convidá-los com urgência ao desligar de todos os geradores de energia pensante.

É urgente agradecer a quem plantou o Luis esta manhã em nossa cidade, a brandir um livro cor de sangue nas mãos como se da sua própria âncora de salvação se tratasse. Uma âncora leve a fazer-se pesada, só para que não nos enganemos e pensemos que a cicatriz se fechará sem dor, antes que retiremos de dentro da ferida o punhal com que a abrimos a cada dia. É urgente agradecer-lhes, porque o desassossego é fértil, mas precisa ser provocado; é útil, mas precisa ser lembrado; está aí fora sempre, mas é preciso quem o convide a entrar. Ontem, houve quem o convidasse – assim aconteça mais vezes.

A propósito da oficina conduzida pelo poeta português Luis Serguilha, na manhã do dia 2 de abril de 2011, na Secretaria Municipal de Cultura, em promoção da ABEM. Agradecimentos especiais à Vera Ravagnani, à Carmem Lúcia da Silva e ao Osni Ribeiro.

30/03/2011

Vidros lavados

Começou com a súbita vontade que me atingiu hoje, de forma extemporânea e urgente, de limpar todas as janelas de casa. Há meses que isso não acontece – nem eu tenho essa gana sintomática, nem as mesmas são limpas. O motivo é simples, ou pelo menos a desculpa: as crianças ganharam de presente canetas de escrever em vidro, e estão todas as janelas decoradas (estavam, a bem da verdade, porque agora eu já passei por elas) com flores, fadas, borboletas, gnomos, estrelas e árvores com balanços.

Mas isso já tinha semanas e mais semanas, e o que sobrava de espaço estava tomado por teias de aranha e seus eloquentes resquícios, dedadas, marcas de bolas que se desviaram do rumo pretendido. Por isso, dispus-me a tornar todas as superfícies transparentes, desejando muito ser como a minha avó, que criava vidros imperceptíveis aos meus olhos de menina. Mas eu não sou a minha avó, e já percebo daqui, de onde estou, uns trechos embaçados.

Era já noite, quando esta vontade súbita chegou. Deixei as luzes de fora todas acesas, como se fosse dia de festa, para poder ver na contraluz os lugares em que, completamente livre de outras coisas, já vive essa minha urgente transparência.

Deixei as cortinas abertas. Gosto delas; muito, até – espécie de barreira que corta o olhar do outro e me oculta quando quero. Mas hoje deixei-as abertas, o respirar da Demétria sossegado vencendo os minutos noturnos. Cortinas diminuem a intensidade com que a luz de fora atinge o dentro, desbota as cores dos tecidos, corrói as duras madeiras de lei que fazem os móveis mais queridos desta casa. Gosto de cortinas, pela proteção, o acalanto, o ninho silencioso que criam ao redor nas noites frias.

Uns meses atrás, outra súbita urgência fez-me fazer as cortinas com que sonhei meses a fio, numa influência clara da coleção de catálogos Laura Ashley herdada. Umas, ganharam pequenas flores; devolvem-me à atmosfera da sala de uma austiniana Elizabeth em pleno Hampshire. Outras, severas, num vermelho escuro de sangue coagulado, lembram-me as da sala de Miss Marple - também ela tinha uma espaçosa janela de vidros grandes na sua sala, seu posto de observação, e também à atenta velhinha as cortinas diminuíam o tamanho da sala. A diferença é que isso era para ela um problema, e para mim é solução: tornam-na do meu tamanho, escurecem as luzes que acendo e recriam o éter de que gosto quando alguém abre o piano e toca.

Isso, na sala. Na cozinha não há cortinas – não porque se engordurem, ou sujem, mas porque as janelas olham em várias direções, e, assim, quem cozinha, descasca, tempera, lava ou seca pode olhar em volta, ver o verde que rodeia e apascenta os olhos nos intervalos da vida lá de fora. Foi pensado, tudo isso, quando nos debruçamos sob a planta desta casa. Porque, quando se cozinha, dá-se vida ao que cogita dentro, num santuário silencioso e solitário. Da cadeira da cozinha onde me sento agora, vigilante às janelas limpas e com o fogão apagado, vejo todas, de todos os lugares, e sinto-me rodeada por tudo o que já foi e tudo o que agora é, duas formas da mesma coisa, numa absurda e concreta diferença.

As janelas limpas e abertas, hoje, provocam um movimento inverso, de clareza e semelhança. Quero poder olhar para elas e através delas, ver a escuridão da noite lá fora, porque já apaguei as luzes e agora são só os reflexos azulados da noite a entrarem pelas pupilas da casa. Cheiram bem, as janelas – a limão, porque o pus na água com que as lavei, e um leve traço de álcool, para o brilho que quis perseguir mas tanto fugiu que desisti.

Não sei como estarão amanhã, mas espero que tanto elas quanto eu mantenhamos o cheiro a limpo e o jeito de quem não estranha o vento que bate, o sol que reflete, a luz que atravessa. Não corro as cortinas para impedir que os vidros fiquem sozinhos do lado de fora, entre elas e a noite que avança, sem poderem ver que eu os olho e os percebo. As estrelas que vejo no céu da minha cama brilham mais por detrás do brilho do vidro. Mas não são elas, percebo, mas o próprio vidro, que afinal consegui que brilhasse como brilhava sob as mãos da minha avó.

12/03/2011

Despedir

Despedir é verbo estranho, antigo e desafiador. Despedir só é possível quando se esgotaram em nós todas as necessidades do pedir. Quando nada em nós clama ou chama o outro, quando já não se lhe confere o lugar de alguém que está ali para estar conosco e por estar conosco. Quando se deixa de pedir, des-pede-se.

Hoje, porém, surgiu-me outra percepção dessa palavra – a de que aquilo que se despe em mim é o que permite ao outro ir. Despe(d)ir. Para mim, neste instante, essa lição de palavra me basta. Uma lição de palavra que me subtrai ao acrescentar e me transporta para dentro daquele lugar onde diz Drummond morarem as palavras em estado de dicionário: paralisadas, sem desespero, em calma, frescura, superfície intacta. É suficiente, agora à noite, que despedir seja aquilo que em nós se permite ausência – e que permite ao outro, só por isso, o seu necessário ir. E assim me desvisto nesta noite fria. Enquanto o outro vai, em direção ao que lhe pertence.

No entanto, despedir pouco tem que ver, na história do mundo dos homens, com essa percepção que correu ao meu encontro, das portas do futuro em direção ao presente. Das linhas do passado, despedir conduz ao pensamento latino, e a expetere, parente imediato do nosso verbo que diz adeus. 

Expetere é o verbo que pede, o verbo que levanta os olhos ao céu que a todos nós cobre e não suplica, mas aspira. Sob esses olhos, o ato de despir reveste-se das cores do aspirante, daquele que inala, daquele que mergulha dentro da própria dor e apenas pede que a do outro seja poupada. Apenas inspira, e nada mais.

Mas expetere tem raízes mais antigas, que se realizam com menos sons e menos letras em petere. Os mais antigos que os que pediam expetere, diziam petere,  e era assim que queriam procurar, e através da procura, desejar. E assim, nisso que hoje é um adeus e ontem era um pedido, é uns dias antes uma procura cheia de desejo. Não um desejo qualquer, mas aquele que aspira ao próprio despir para permitir a partida sem dor do outro.

A despedida conduz-nos para mais longe, porque as despedidas existem desde o nascer dos tempos, numa torrente contínua que nos envolve e às vezes trucida, implacável como é tudo o que apesar de permanece. Mas falham os registros - os homens mais antigos que os antigos ainda não precisavam escrever, e nada nos diz o que a raiz –pet provocava nos corações e nas mentes daqueles que se despediam sem dor 7000 anos antes de nós. Com certeza olhavam estrelas, talvez outras, talvez diferentes das que brilham hoje sobre nós, mas diante do mesmo espaço imenso, infinito e escuro da noite fria, tiritavam em silêncio ao se despir, despedindo sem dor os que sem dor partiam em busca do destino.


Com o pensamento em João Alexandre Cortesi Lempek, onde quer que esteja

07/03/2011

História feita de emails

Passei horas hoje à tarde fazendo história: lendo e relendo mensagens enviadas e recebidas há anos, todas guardadinhas na minha caixa de emails. Para dias que despertam com uma aura de melancolia que não se apaga, mas ainda assim não oferecem riscos de tristeza, como esta segunda gorda de Carnaval encaminhando-se para o frio noturno, é um prato cheio.

Assim, fui passear pelo passado da comunicação virtual, à procura de pequenas pérolas que a frequentaram e se deixaram guardar – um novo projeto em curso. Como caixa de Pandora, levanta-se de tudo à minha aproximação, e é preciso que me mantenha alerta e vigilante, para que afinal a tristeza não se agregue ao dia cinzento e me derrube da precária rede em que vim cair.

Poderia compor uma história de vida com fragmentos de emails; as frequências e as infrequências, o que não deveria ter sido escrito (mas foi e, pior, enviado), o que deixou de ser lido e que agora dói nos olhos por não ter tido a resposta que merecia, e agora é tarde, tanto que arde, como queria o coelho da Alice.

Há de tudo pelo caminho, pedras e plumas, sonhos compartilhados, planos vários, uns concluídos, outros abandonados. Convites bem humorados, feitos e recebidos: uns respondidos, outros desconsiderados. Pedidos de ajuda, tentativas de conquista. Sugestões de leitura, indicação de remédio para mil e uma ocasiões. Opiniões sinceras e amigas ao lado das farpas que quase encaminho para a lixeira, mas cuidado: o que não vale hoje, valerá amanhã quem sabe, e por isso a minha lixeira não guarda quase nada, porque tudo eu devo ter merecido, acho até que o que chegou por engano.

Entre os bem antigos, com data de outras décadas, encontro o aroma de quem já se foi; não fossem dois ou três emails trocados e guardados, nada teria ficado que me fizesse chorar, e o choro não me entristece, antes revigora e ilumina todos os que estão ao meu lado.

Ainda assim, volto rápido ao passado mais próximo, porque eu já sei de que cor está hoje a minha alma. Retomo caminhos abandonados. Mas não sei quem abandonou quem - e se fui eu, será que volto? O dia não está para dúvidas, nem meu coração para retomadas sem motivo, mantenho-me no registro histórico e nada preciso mudar do presente quase pretérito ainda não futuro.

Descubro coisas minhas que esqueci, textos que imaginava para sempre perdidos. Uns, até, que nem lembrava ter escrito, e pelos quais me alegro (imensamente!) ter sido a única destinatária. Não valem a leitura alheia.

Pesquiso por nome: comprovo que a memória é fraca, e espanto-me com a quantidade de coisas que nos dizemos e depois esquecemos. A quantidade de perguntas sem resposta. As respostas a perguntas que sequer foram feitas. E um espaço aberto, imenso, gigantesco, feito do mais puro esquecimento. Uns silêncios diferentes daqueles que se deixaram tão somente de dizer: aqueles que foram criados para que do outro lado se mastigue pelos ouvidos um “não vou dizer” que nunca se dirá. E por isso sem resposta. Esse espaço abre-se como chaga, e esse eu não tenho intenção de suportar.

Dirijo-me ao setor das alegrias, das risadas, do humor rosa e negro, das mensagens sem sentido defendendo as causas mais indefensáveis, os sofistas de plantão, os hábeis argumentadores, as ofertas de produtos e serviços.

Entre toda essa teia, há presenças que se mantêm por anos; há os que me frequentaram durante um tempo e depois se afastaram – uns de repente, outros mansos e lentamente. Sinto saudades e falta de alguns – ou do tempo em que estavam, aquele hoje irrecuperável. Ainda assim, porque estou diante deles e a cor é a mesma, porque o amarelado do tempo não marca as telas dos computadores, posso imaginar que está tudo ainda vivo, e forte, e pulsante e entusiasmante. Um dos milagres da virtualidade, quem sabe. 

05/03/2011

Sólidos, em todas as suas acepções

Se você decidiu ler esta crônica para passar o tempo e distrair-se sem precisar pensar muito em coisa nenhuma, sem modéstia devo dizer-lhe que corra a fazer outra coisa. Eu mesma sentei-me para escrever com essa intenção (passar o tempo e distrair-me), e acabei enredada nas palavras acrescidas de sentimentos. Portanto, nem é preciso se desculpar, que a vantagem de ler é que a nós apenas compete e ninguém tem nada com isso.

Sinônimos são coisas estranhas que desde pequena me incomodam. Na primeira aula em que quiseram ensinar-me (pior: que eu repetisse) que sinônimos eram palavras que queriam dizer a mesma coisa, eu mexi-me inquieta na cadeira com tamanho despropósito. Nenhuma palavra quer dizer o mesmo que outra, o que aliás seria de cara um perdulário contrasenso: pra que duas palavras para dizer uma mesma coisa? Pra que gastar em dobro para nada dizer a mais ou a menos ou diferente?

Para provar o que me escapuliu de repente dedos afora, assim que comecei a escrever, fui-me em busca desse paquiderme bastante roído pelas traças a que damos o nome de dicionário. Abri-o assim, ao acaso, e lá estava, como sempre, um bom exemplo do inútil que é pretender saber o que são sinônimos. Como se existissem.

Sólido – verbete imenso, com um corte a meio (presente das larvas que dividem comigo a leitura dos livros), diverte-me. O que teria a humanidade em mente para conferir a uma palavra tão simples uma quantidade tão impressionante de pretensos sinônimos? Sinônimos que, como sempre, raramente entregam aquilo que prometem. Posso até, condescendente, achar que as palavras queiram dizer a mesma coisa, o difícil é que nós queiramos o mesmo. E como quem as usa somos nós, fica o caso resolvido.

De pronto: sólido. Define-se por negação: o que não é vazio e oco. O que não se deixa abater por uma força externa. Que tem consistência, é encorpado. Forte, robusto. Que tem fundamento real, seguro. Duradouro. Sério. Que não se altera ou afeta com facilidade. Bem aplicado, enérgico, adequado. E, por fim: corpo que tem três dimensões e é limitado por superfícies fechadas.

Bem sei que o campo da semântica correrá a contradizer-me, a cada palavra seu âmbito de uso, mas havemos de ver que as coisas, no mínimo, não se completam. Facilmente alguém advogaria que poderíamos usar uma dessas palavras em lugar de sólido, como um seu sinônimo. Será...?

Supondo que um sólido seja um corpo que tenha três dimensões e esteja limitado por superfícies fechadas, não pode estar nem vazio nem oco. Supondo ainda que todos nós, pessoas, tenhamos três dimensões (temos) e estejamos limitados por superfícies fechadas (estamos, ainda que sejam as superfícies permeáveis), não somos nunca, por definição, nem ocos nem vazios. O que, já se sabe, precisa de uma observação atenta do entorno, mas é fato. Há até quem pareça oco, vazio – mas quem está do lado de fora é que acha, do lado de dentro, em circunstâncias psiquiatricamente normais, ninguém se acha nem uma coisa nem outra.

Portanto: não somos ocos nem vazios. Abater-nos por forças externas: depende da intensidade, direção e intenção das mesmas. Do momento nosso. Da companhia, às vezes. Ou da falta dela. Dos silêncios. Ou do excesso de ruídos. Nem ocos, nem vazios, porém suscetíveis às forças que nos rodeiam. Adiante.

Consistência: temos, ou procuramos. Encorpados: uns mais que outros, como no mais (e, veja bem, encorpados são mesmo é os vinhos.)

Fortes e robustos seremos todos um dia, que a tendência à robustez aproxima-se conforme os anos se distanciam. Robustez que, em termos de sinônimos, pode até ser um eufemismo...

Agora vêm as coisas complicadas: que tem fundamento real, é duradouro e sério. Mesmo tendo as três dimensões, mesmo não sendo nem oco nem vazio, mesmo robusto e forte... nem sempre o fundamento é real, nem a seriedade e a duração se coadunam com muitos de nós. Sérios e duráveis, nós?!

Que não se altera ou afeta com facilidade. Bem aplicado, enérgico e adequado. Depende, é claro, assim como depende o que pensemos que seja algo “bem aplicado”, que talvez esteja distante de “ enérgico” e a léguas júliovérnicas de “adequado”... Consigo pensar assim, sem sequer pensar, em pelo menos três exemplos, que aliás não vêm ao caso nem ao espaço que aqui se quer exíguo, de situações pretensamente bem aplicadas, até enérgicas e nada, mas nada mesmo, adequadas. Pense: todos temos exemplos fáceis.

Creio que todo o meu empenho conduzir-se-á, a partir de hoje, pelo desejo e necessidade de ser sólida. Serei plena e preenchida, robusta e forte (e estou ficando, infelizmente, graças às últimas e ainda em curso aventuras gastronômicas...), séria, duradoura, visível nas minhas três dimensões, o que é uma grande vantagem, num mundo em que, se você consegue ver uma delas, já é uma grande sorte. Terei fundamento real e não me alterarei com facilidade, sendo no entanto aplicadamente enérgica - e ainda conseguindo a proeza de o fazer da forma adequada. Só de imaginar, precisei deitar e descansar, para pensar nas prováveis vantagens de ser como os vidros e viver num pouco aparente estado líquido.


Ana Vieira

03/03/2011

Semiótica no dia a dia


Alguns anos atrás, tive a oportunidade de participar de várias disciplinas graças ao então doutorado em curso. Uma delas, com o prof. Izidoro Blikstein, foi-me especialmente proveitosa. O tema era a propaganda fascista, e o ponto de observação valia-se das teorias semióticas – aquelas que estudam as maneiras como o homem confere significado àquilo que o rodeia.

Temas caros a Blikstein pulavam em todas as aulas – estereótipo, preconceito, manipulação e muitos outros conceitos foram discutidos à exaustão, contrapostos, conferidos. Maioria esmagadora de alunos judeus, criavam-se discussões acaloradas, apresentavam-se argutas leituras dos pequenos sketches de propaganda nazi, assistiam-se filmes memoráveis - por exemplo, “O julgamento de Nuremberg”, versão a preto e branco com Spencer Tracy e elenco de peso, incluindo Marlene Dietrich.

Desse curso, incorporei à minha bagagem (repertório, na linguagem de Blikstein) um olhar interessado em encontrar nas mensagens à minha volta aquilo que dizem sem parecer dizer – o campo da semiótica ganhou um espaço em mim que eu desconhecia. Interessou-me particularmente o mecanismo que nos faz ser engolidos por informações que nos distorcem a visão, embaçando, delimitando, transvestindo a realidade com as cores que convêm ao emissor. Nós, os receptores, se não estamos atentos, somos abalroados e às vezes não nos recuperamos. Como não há como ter controle sobre o emissor (a não ser que sejamos nós mesmos, é claro), melhor será que se desenvolvam capacidades receptoras, a postos para nos auxiliarem a clarear aquilo que vemos. Com tempo e prática, essas capacidades (espera-se) poderiam tornar-se quase automáticas.

A web acumula uma quantidade imensa de informação, nem sempre verídica, nem sempre nas suas reais proporções. Facilmente se deturpam e propagam falsidades, e facilmente se lhes dá cunho verossímil e respeitável. A democratização da informação que proporciona demanda, por outro lado e a passos largos, o desenvolvimento daquelas capacidades receptoras e de uma forma de estado vigilante, que nos impeça de propagar involuntariamente inverdades, tendências, preconceitos.

A petição que circula na internet sobre um suposto filme, com estreia breve na América do Norte, que mostraria Jesus mantendo relações homossexuais com seus discípulos, serve de exemplo acabado. Pede o email que se assine a petição contra “Corpus Christi”, dizendo que “a omissão é uma forma de aplaudir as aberrações” e que “a paródia repugnante de Jesus” precisa ser contida, através de muitos nomes que impeçam a exibição do filme.

Com um pouco de pesquisa (por desconfiar dos termos da petição), descobre-se que nem esse filme existe, nem existiu nem anda em projeto. Existe uma peça (do mesmo autor dos livretos das peças “Ragtime” e “O beijo da mulher aranha”), e um documentário sobre ela – porém, embora tenha causado certa celeuma, apresenta um personagem de nome Joshua que seria uma “atualização” de Jesus – nasce num bairro degradado de uma cidade do Texas, onde convive com mulheres que apanham do marido, sexo pago e outros.

Essa petição circula há décadas pela web – em 1985, primeira ocorrência de que encontrei registro, acumulou um milhão de assinaturas, só nos Estados Unidos. Gerou protestos do movimento gay, assim como de entidades de defesa da liberdade de expressão. E, a cada cinco ou seis anos, reaparece.

O que me fez procurar informações foram justamente as palavras “aberração” e “repugnante” – sinais de que, no contexto, algo subjaz àquilo que o texto diz dizer. Uma leitura mais atenta alerta para a conexão imediata que se faz entre essas duas palavras e as relações homossexuais (supostamente) mantidas por Jesus com seus discípulos. São as relações homossexuais que se pretendem aberração repugnante.

Nenhum de nós está a salvo do engano, como é óbvio; dependemos do nosso repertório, o que inclui nossas experiências de vida, a religião que professamos (ou não), os livros que lemos e os filmes que vemos, as conversas que temos, as viagens que fazemos e, em muito larga escala, as escolas que frequentamos – escolas que com urgência precisam voltar-se para a construção da observação atenta, do discernimento autônomo e da capacidade de nos fortalecermos solidariamente no encontro com o outro.

01/03/2011

Procrastinações à parte

No dia 3 de fevereiro começou, finalmente, o meu novo ano.

Adepta recente da procrastinação, embora deteste a palavra, decidi aderir ao ano novo chinês, basicamente porque começava num então longínquo 3 de fevereiro. Chegou o que estava longe. E hoje ainda fico com a impressão de que talvez quem sabe eu devesse ou pudesse aderir ao ano novo judaico... mas descubro que isso só acontecerá lá para fins de setembro. Hosh Hashaná vai ser um pouco demais.

Ainda bem que aproveitei meu filho que viveu seis meses na China e me diverti celebrando o dia 3 de fevereiro no melhor e maior estilo. Para comemorar o novo ano, além de cogitar mais uma vez repor o coelho assassinado pelo gato de casa, sucumbindo aos apelos do filho que mo pediu as férias inteiras, decidi aventurar-me pela culinária chinesa. Pãozinhos no vapor, com recheio de carne e legumes. Baozi, diz o chinês de seis meses que me assiste, não é exatamente a estrela do ano novo, mas enfim... antes isso que nada.

Vamos, enquanto isso, conversando animadamente sobre o coelho, animal de rege este ano de 4710. Dócil e paciente, símbolo máximo da longevidade, abençoa os anos que se lhe dedicam com apenas coisas boas – um dos noticiários de Macau (em português, graças a Camões entre outros) diz que os cataclismos, mesmo que os haja, não terão as dimensões catastróficas que tiveram neste ano que se acabou, regido pelo Tigre. Espero mesmo que todos os cataclismos se atenuem, inclusive os da minha vida pessoal.

Lembro-me de ter decidido, nesse dia, colocar de lado todos os comportamentos procrastinadores dos últimos tempos, o que não foi exatamente o que aconteceu, e prova disso é esta crônica, que estava toda no presente e agora preciso convertê-la aos tempos pretéritos. Um exercício de  colagem que espero me satisfaça ao fim.

A palavra “procrastinação” tem uma origem etimológica simples e tranquila, que não faz jus, ao menos não aos meus ouvidos, à sua sonoridade horrorosamente desagradável. Pro, prefixo que sempre significa adiante, e cras, dia seguinte para os romanos, e aí está – deixar para o dia seguinte. Convenhamos que é melhor procrastinar do que postergar – este último para data imprevisível, que pode ser nunca. Procrastinar é, via de regra, apenas deixar para amanhã, mesmo que se devesse fazer hoje.

Uma das maneiras de deixar de procrastinar pode ser, para não sairmos do espectro das palavras horrorosas, defenestrar: em vez de deixar para amanhã, atirar tudo pela janela, para depois inventar novas obrigações, novos compromissos, novas surpresas que se acumulam diante da porta de cada dia, tudo pronto a ser procrastinado com alegria.